Publicações

Terras Indígenas: mais um capítulo da discordância entre Executivo, Legislativo e Judiciário

02/01/24

Foi publicada ontem, 28.12.23, a promulgação dos dispositivos da Lei nº14.701/2023, objeto de veto presidencial rejeitado pelo Congresso Nacional. Essa lei regulamenta o art. 231 da Constituição Federal e trata da demarcação de Terras Indígenas.

Os dispositivos promulgados pelo Presidente do Senado já passaram a ter eficácia com a sua publicação e serão aplicados a todos os processos demarcatórios ainda não concluídos, sob pena de nulidade.

Em síntese, de acordo com a Lei:

  • serão demarcadas apenas as terras efetiva e comprovadamente ocupadas pelos indígenas em 05.10.1988, data da promulgação da CF;
  • é proibida a ampliação dos limites das terras indígenas já demarcadas;
  • os processos demarcatórios pendentes devem se adequar às disposições da Lei 14.701/2023, sob pena de ser decretada a sua nulidade;
  • os proprietários e possuidores particulares serão indenizados pelas benfeitorias que realizarem até o final do processo demarcatório, podendo permanecer na posse dos seus bens até o seu efetivo pagamento;
  • é permitida a exploração econômica nas terras indígenas.

Deve-se dizer, entretanto, que esses dispositivos contrariam o entendimento adotado pelo STF no julgamento da Tese 1031 de repercussão geral, que afastou a aplicação da tese do marco temporal por inconstitucionalidade e ainda permitiu a revisão dos limites das terras indígenas já demarcadas.

Por se tratar de Tese de repercussão geral, todos os membros do Poder Judiciário estão obrigados a adotar o entendimento do STF no julgamento das ações que têm por objeto a demarcação de T.I.

Como resultado, atualmente há duas realidades jurídicas coexistindo paralelamente: os processos administrativos de identificação e demarcação de T.I. regidos pelas disposições da Lei 14.701/2023 e as ações judiciais julgadas de acordo com o entendimento do STF (Tese 1031). Ou seja, dois sistemas jurídicos, por vezes antagônicos, disciplinando a mesma situação fática.

Os movimentos indigenistas já garantiram que vão protocolar ação de controle de constitucionalidade junto ao STF, que deverá mais uma vez se debruçar sobre a questão, principalmente no que diz respeito ao marco temporal e à possibilidade de ampliação das terras já demarcadas.

Não há como prever qual será o comportamento do STF: se manterá o seu posicionamento, afastando os dispositivos legais que contrariam a Tese 1031, ou se adotará a técnica de controle de constitucionalidade pela qual preserva o texto normativo aprovado pelo Congresso Nacional, mas estabelecendo restrições na sua forma de interpretação e aplicação.

Nessa última hipótese, o STF evitaria um confronto direto com o Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, preservaria a sua competência constitucional e a autoridade das suas decisões.

Mas uma coisa é certa, até que haja uma solução definitiva, as partes afetadas ficam reféns da insegurança jurídica criada pelos Poderes da República, pois não há como saber quais regras prevalecerão.

A Equipe Ambiental do FLH Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas sobre o tema.

Profissionais relacionados:
Áreas de atuação: