Flávia Reis
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29/09/23
Nesta quarta-feira, 27/09/23, o plenário do Senado, em votação relâmpago, aprovou o PL 2.903/2023, legitimando a aplicação da tese do Marco Temporal, mas isto no mesmo dia em que o STF finalizou o julgamento do R.E. 1.017.365/SC (Tema 1031), reconhecendo que a proteção constitucional aos direitos originários indígenas independe da data 05/10/88.
O PL 2.903/2023 será submetido à sanção do Presidente da República, que poderá vetar total ou parcialmente o texto, inclusive com fundamento em inconstitucionalidade, naquilo que contrariar a decisão do STF.
Em síntese, o STF fixou a Tese de Repercussão Geral (Tema 1031) nos seguintes termos:
a) a demarcação da Terra Indígena é ato jurídico de natureza declaratória;
b) a posse indígena é distinta da posse civil;
c) a proteção constitucional dos direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da data de 05/10/1988 ou da existência de renitente esbulho;
d) existindo ocupação tradicional ou renitente esbulho à data da promulgação da CF, cabe aos possuidores de boa-fé, justa e prévia indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis;
e) inexistindo ocupação tradicional indígena ou esbulho renitente à data da promulgação da CF, os proprietários e possuidores com justo título e boa-fé têm direito a indenização pela terra nua, existindo o direito a retenção;
f) descabe indenização nas situações já consolidadas, ressalvadas as hipóteses objeto de ação judicial;
g) é possível a criação de terras reservadas para o assentamento de populações indígenas quando for inviável a demarcação da terra;
h) é possível a revisão dos limites da T.I. quando a demarcação não tiver atendido, comprovadamente, as disposições do artigo 231 da CF, desde que instaurada no prazo de cinco anos da demarcação anterior; e
i) o laudo antropológico é um dos elementos fundamentais para a comprovação da ocupação tradicional.
A partir de agora, as instâncias inferiores devem reativar os processos sobrestados e submetê-los a julgamento para a aplicação imediata da Tese 1.031, independentemente da publicação ou trânsito em julgado do acórdão paradigma.
E pode prosperar o PL 2.903/2023 neste contexto?
Em que pesem as notícias mais alarmistas, na verdade, o PL não apresenta, como um todo, inconstitucionalidade gritante que possa torná-lo ato legislativo natimorto. A sua única (mas grande!) fragilidade está no §2º do artigo 4º, que exige a presença da comunidade indígena, na terra que se pretende demarcar, na data de 05.10.1988, ou seja, aplicando a Tese do Marco Temporal e contrariando a recente decisão do STF.
O PL, por outro lado, acolheu os mesmos critérios utilizados pelo STF para caracterizar a tradicionalidade da ocupação, afastando a imemorialidade; trouxe também a possibilidade de indenização pela terra nua, com direito a retenção.
Muito do que foi tratado no PL é realmente matéria afeta ao Congresso Nacional, como a impossibilidade de revisão de terras já demarcadas, excetuadas aquelas que não obedecerem ao disposto no artigo 231 da CF; a possibilidade de exploração econômica da TI; ou mesmo a publicidade e transparência de todas as fases do procedimento demarcatório.
Por fim, há que se comemorar o acerto do PL ao proibir as entidades particulares, nacionais ou internacionais, de manterem contato com comunidades indígenas isoladas, exceto quando contratadas pelo Poder Público para fins para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública, com intervenção obrigatória da FUNAI.